28 outubro 2007

Festa do 12 em Ouro Preto

Homenagem aos ex-alunos, no palco da Boite Casablanca.






Toda vez que vou à Ouro Preto dou uma passadinha no Café Gerais.























D. Bibi era uma septuagenária cujo endereço, na Rua São José, da histórica Ouro Preto, ficava do lado direito da República Boite Casablanca, onde moravam rapazes estudantes da UFOP, que representavam, acima de tudo, o espírito da juventude “sexo, drogas e rock’in roll”. Esta vizinhança heterogênea deu origem a muitos boatos e histórias, por parte dos moradores dos dois casarões. Conto aqui a versão dos Casablanquenhos boêmios que lá estudaram no início dos anos 90. Alguns anos antes, quando chegou à República o estudante de engenharia Messias (logo rebatizado de Babá, um ritual obrigatório pra quem almeja uma vaga na casa), foi informado de que ali do lado, naquele casarão centenário de três andares e aproximadamente 30 cômodos, moravam duas velhas bruxas, e era bom não se meter muito com elas, o que poderia resultar em encrenca certa.

Um dia um episódio o fez pular o muro e enfrentar toda a sorte de feitiços e encantamentos malignos que pairavam sobre o casarão misterioso. É que sua placa de “Bicho” (que consiste em uma placa de mais ou menos 1m x 1m que todo aspirante à vaga em república tem que levar preso ao pescoço, caso contrário é impedido até de entrar no restaurante universitário), foi lançada, por um veterano perverso, no quintal das vizinhas. Não tinha jeito, era pegar ou morrer de fome, alem de ser rejeitado como morador da república.

Precipitou-se então pelo muro, tentando localizar, o mais rapidamente possível, seu passaporte de sobrevivência. Logo o localizou, pulando o muro e correndo, torcendo para que a empreitada tivesse um fim rápido e sem surpresas. Quando se levantou, com a placa na mão, girando-se rapidamente para retornar, em segurança, ao outro lado do muro, seu corpo foi de encontro àquela figura e, de susto, desequilibrou-se e caiu no chão. Em pé, em sua frente, quase tão imóvel quanto a estátua de Tiradentes da praça de nome idem, D. Bibi tinha o olhar curioso e jovial de qualquer vovó de contos da carochinha.

Nascia ali uma amizade rica e duradoura. E principalmente de ajuda e aprendizagem. Os rapazes Casablanquenhos passaram a ter um telefone, a disposição, ao qual os parentes podiam ligar, para saberem notícias. Uma campainha cujo interruptor foi instalado junto ao telefone do casarão, avisava, através de código Morse, qual estudante era solicitado ao telefone. Desta forma, D. Bibi ficou conhecendo o Feio, o Colméia, o Almenas, o Barango, o Ligeirinho, o Nádegas e o Ninguém, assim como todos os moradores que vieram a habitar a Casablanca. Num dia em que ladrões ameaçaram a segurança das senhoras, os rapazes se revezaram durante alguns dias dormindo na casa das vizinhas, até que elas se sentissem seguras novamente. Muitas vezes o Ligeirinho foi até lá ajudá-la quando alguma gripe forte ou infecção à levava pra cama. Quando Babá se formou, o cenário casablanquenho não se parecia em nada com o de qualquer festa já vista ali, geralmente com torres de engradados de cerveja, churrasco e música alta. Em meio a tudo isto um quê de festa de casamento, dado pelas 15 bandejas de bombons, presente da D. Bibi.

Todo 12 de outubro a República Boite Casablanca, assim como todas as outras repúblicas Ouropretanas, faz 3 dias de festas e homenageia seus ex-alunos com presentes e discursos, em uma tradição que os faz sempre reencontrar esta parte de sua história. Neste ano, no meio de aproximadamente 70 quadrinhos de formandos que adornam as paredes da Boite, e de agora em diante, uma única mulher ganhou o título de Casablanquenha. Com seu sorriso belo que faz qualquer marmanjo querer voltar à infância pra ganhar um doce ou um colo, a República passou a receber, todos os dias, a bênção de D. Bibi.








09 outubro 2007

A vida como ela é

Primeiro, foi a esposa que cismou que queria uma esteira. O marido lastimou a infeliz hora em que perguntou o que ela gostaria de ganhar de aniversário. A resposta foi incisiva: _Quero uma esteira! Já que eu não tenho tempo de ir à academia, quero me exercitar aqui em casa mesmo.

Logo veio o veto do marido: _Peça qualquer coisa, menos uma esteira. Seja razoável, não há lugar aqui em casa para colocar esta coisa horrorosa. E além do mais, eu nunca conheci uma casa onde a esteira não tenha se transformado em cabideiro. E o discurso continuou por mais algumas horas. Nesta noite, a esposa, indignada, dormiu a uma boa distância do marido, murmurando impropérios e se perguntando: _ Por que esta criatura perguntou o que eu quero ganhar, se não tinha a intenção de me dar o que eu queria?

Uma semana depois, foi a vez do marido cismar com a cachorrinha. Chamou, todo feliz, a esposa, para que ela visse na tela da internet a raça que havia escolhido para presentear o filho. Aí já era demais! Na casa de 200m² não havia espaço para uma inofensiva esteira, mas para uma cachorra endiabrada e destruidora, NÃO HAVIA PROBLEMAS! E ainda por cima a bichinha tinha cara de morcego. Quando fez a primeira objeção, o marido interveio caloroso em defesa da cachorra. _Ora, essa cara de morcego é sinônimo de pureza da raça! Aliás, quanto mais parecida com morcego, mais caro é o filhote.

A esposa, que já não estava lá essas coisas com o marido, resolveu lembrá-lo da primeira vez em que ele tinha tido a idéia de ter um cachorro. Fazia apenas três anos, mas parecia que ele já havia se esquecido. Esquecera-se de que ele nunca queria sair com o animalzinho pra passear e que ele nunca havia limpado o cocô que o animal deixava pelo quintal. Também se esquecera de que quando solto, aquele filhotinho fofinho havia destruído todo o jardim. E a esposa, já vislumbrando o mesmo “filme” e sabendo da teimosia do marido, resolveu tirar proveito: _Está bem, mas só aceito esta cachorra se eu puder instalar minha esteira, e no quarto! E o marido: _No dia em que eu ver uma roupa pendurada na esteira, tchau, tchau! E a esposa: _ O dia em que você deixar de limpar o cocô desta cachorrinha, eu a darei para a primeira pessoa que aparecer.

E assim é que chegaram a casa suas duas novas moradoras: Ivete (a esteira) e Fiona (a cachorra com cara de morcego). Foram duas idílicas semanas, em que esposa se imaginou transformada na própria Ivete (Sangalo), e que o marido dedicou todo seu tempo livre para passear e cuidar da Fiona (que realmente era quase um ogro).

Mas passado o entusiasmo inicial, a esteira começou a ficar cada dia mais pesada. E a cachorrinha, coitada, já não ganhava tanta festa à noite, quando o marido chegava do trabalho.

Um mês, e a esteira tinha se transformado num belo depósito de bolsas. E Fiona, pobrezinha, tinha deixado de passear e andava meio tristinha. Desta vez, não houve nenhuma discussão naquela casa. Foi de comum acordo que esposa e marido providenciaram a doação da esteira para um asilo e da cachorrinha para uma senhora que adorava cachorros e criava três outros em sua casa. E nunca mais se falou naquele assunto.