30 março 2007

Uma caipira na cidade grande

Adoro ir a São Paulo. Nas poucas oportunidades que tenho de fazê-lo, geralmente em ocasiões profissionais, tento encaixar na agenda pelo menos uns 2 programas culturais, como um teatro ou uma exposição.
Lá, quando ponho os pezinhos pra fora do avião já me sinto diferente. Eu não enxergo o trânsito ruim, a poluição, a correria, nada disso. O que passa brilhando pelos meus olhos são a modernidade, a grandiosidade, a imponência, o poder dessa metrópole. É provável que os paulistanos enxerguem mais o stress do dia a dia do que as infinitas possibilidades de diversão e cultura que eu vejo... bem, a gente sempre deseja o que não tem, não é?
Minha última passagem por lá foi exclusivamente turística, para ver o show do Roger Waters. Na saída do aeroporto, a mesma sensação de sempre...

Mas houve um momento dentro das menos de 24 horas que eu permaneci na cidade em que meu olhar sofreu uma drástica mudança. Tudo começou ainda no hotel, minutos antes de sairmos para o show. Vi que algumas pessoas que contrataram a agência de turismo começaram a reclamar que não havia ingressos suficientes. Algumas pessoas haviam pagado por um lugar mais próximo ao palco, mas receberam ingressos dois ou três setores atrás. Um médico com sua filha adolescente tinham recebido ingressos para cadeiras em lados completamente opostos, fora do que havia sido combinado.

Já na entrada do Morumbi, reparei na malandragem de alguns cambistas, que paravam a gente pra tentar trocar ingressos. Um deles propôs que trocássemos os nossos ingressos + R$50,00 por cadeiras no Setor Laranja, que eram melhores. Mas como me lembrava da posição dos setores no mapa, sabia que ele estava blefando, já que as cadeiras laranjas eram localizadas na arquibancada, bem longe do palco, e as nossas no gramado.

Já que não tinha idéia de como iria estar a situação dentro do estádio, o médico aceitou trocar seus dois ingressos de cadeiras no gramado e dar R$100,00 a um segurança em troca de um lugar onde ele pudesse ficar próximo a sua filha. O Segurança imediatamente entregou-lhes pulseirinhas de identificação, conduzindo-os pelos corredores internos do estádio até o mesmo setor onde eles tinham as cadeiras. Só que eles teriam que ficar em pé todo o show. Todo o corredor entre as cadeiras do gramado ficou repleto de pessoas em pé que ninguém sabia de onde haviam vindo, já que foram vendidos apenas ingressos para lugares sentados. Percebi que era um esquema muito organizado dos seguranças para lucrar centenas de ingressos “não oficiais”.

Lá fora, apesar da noite linda e da previsão do tempo ter indicado ausência de chuvas, muitas pessoas vendiam capas de chuva para o público. Quando se atravessava o portão de acesso ao campo, havia vários jovens distribuindo gratuitamente as mesmíssimas capas.

Dentro do estádio, a venda de bebidas alcoólicas estava proibida. Mas havia um sujeito parado na ponta do gramado vendendo, despreocupado, cada latinha de cerveja (quente) a R$7,00.

Todo este comércio paralelo e quase sempre ilícito me saltou aos olhos.

De volta pra casa, em meus pensamentos não havia a civilização, mas a selva. E nesta Selva de Pedra, cada criatura se defende como pode e com as armas que tem.

25 março 2007

O Porco fala




22 março 2007

O dia em que Platão defendeu Sabrina Sato

_Estamos aqui, diretamente de um Centro Espírita, onde uma entidade auto denominada “Platão” incorporou-se em um cidadão comum. Esta entidade apossou-se do corpo do pobre sujeito há cerca de um mês, e desde então tem-se proposto a explicar, utilizando a dialética platônica, vários temas de interesse do cotidiano.
_Hoje ele irá falar sobre o preconceito em relação às loiras burras. Foi convidada para participar do diálogo filosófico a repórter Glória Maria, do Fantástico.
Eis que se inicia o diálogo...
G.M: _ Boa Noite! Sr... Platão...er.. antes de entrarmos no tema polêmico das loiras burras, eu gostaria de confirmar... Você é, realmente, o espírito do filósofo Platão, morto há quase 2500 anos??
P.: Minha cara, se tu duvidas sobre a pessoa que eu represento, que diferença irá fazer eu mesmo lhe responder que sim ou que não?
G. M.: Er... acho que não teria sentido esta pergunta... Mas, por que então você, cujas obras são a base do sistema político moderno, deu-se ao trabalho de sair do seu descanso eterno para falar sobre um tema tão popular quanto esse?...
P.: Qual seriam, acaso, as preferências de debates de noventa e nove por cento da população atual? Dirias tu que são temas elevados, repletos das grandes questões da humanidade, ou seriam temas desprovidos de importância filosófica?
G.M.: A segunda opção, com toda certeza...
P.: E o que tu mesma propuzeste, ao idealizar o quadro “ser ou não ser”, no programa que apresenta? Acaso não querias aproximar os ignorantes dos grandes pensadores, tratando temas cotidianos?
G.M.: Certamente era isto que eu desejava...
P.: Então, por que não seria correto eu tratar um tema de grande interesse popular para difundir minha obra, tão esquecida, a um maior número de pessoas?
G. M.: Tem toda razão. Mas de que forma poderíamos relacionar sua obra com as loiras burras?
P.: Utilizando, por exemplo, meu conceito de Justiça. Tu, certamente o conheces...
G. M.: Er...desculpe! Gente, alguém pode me ajudar... Ah, “Dar a cada um o que lhe é de direito, conforme sua natureza e segundo sua necessidade.”
P.: E, partindo-se deste princípio, qual seria a natureza de uma loira burra?
G.M.: Por favor, os homens da platéia, podem responder?
Platéia: Linda, Gostosa, Peituda...
P.: Acaso alguém pensaria também em outras características, como: exímia em dedução de fórmulas matemáticas, analista econômica, ou prêmio Nobel de Física?
Todos: Hahahahaha...
Platão: Pois bem, porque quereis então que as tais loiras gostosas sejam algo além de sua própria natureza, o que já o fazem com bastante propriedade?
G. M.: Mas Platão, você não acha um absurdo uma mulher pública, como por exemplo, uma das mais recentes loiras: a Sabrina Sato, que ao ser interrogada por um repórter sobre se a mesma era realmente burra ou apenas fazia tipo, ter respondido que “Sim, sou burra mesmo. E tenho ganhado um bom dinheiro com isto!”. Você não acha que isto seria uma coisa condenável, um mau exemplo?
P.: Minha cara Glória, acaso cobra-se dos grandes intelectuais um ideal de beleza física? Fazeis vós piadas a respeito do cabelo horrível daquele matemático, ou rides da flacidez muscular daquele premio Nobel de Física?
G.M. (pasma): Creio que não...
P.: Pois creio que por analogia também não poderíamos cobrar das loiras o que não é nem sua natureza nem sua necessidade.
G.M.: Olha, confesso que estou perplexa...
P.: Agora, com sua licença, retirar-me-ei. Voltarei mais tarde, conforme for o andamento de meus esforços póstumos para com a humanidade.

O moribundo sujeito estremece e cai, adormecido.

Glória Maria esquece o comentário final que havia preparado pra fechar o Diálogo- Entrevista.

Diante de seu mutismo, o câmera-man fecha a cena e a equipe de T.V. entra com os comerciais.

16 março 2007

Você tem cheiro de quê?

_ De flor, na verdade, violeta...
_ Tem cheiro de carro novo, não, não, é de couro!
_ Se perceberem com cuidado irão notar especiarias, com forte presença de pimenta-do-reino.
_ Coco queimado...
_ Uma leve lembrança de extrato balsâmico, verniz...

O olfato é um sentido fascinante, que a meu ver tem tido seus encantos subjugados e até mesmo desprezados por boa parte das pessoas. Costumo divagar sobre isto, imaginando que nossos ancestrais deveriam possuir um olfato mais potente e ativo, obviamente utilizado como instrumento de preservação da espécie: identificar animais e pessoas em ambientes de pouca visibilidade, reconhecer lugares, identificar ervas medicinais e venenos quando os meios visuais já não o permitiam...

Hoje perdemos um pouco esta ferramenta, o mundo ficou muito visual... Lembro-me de uma viagem aos EUA, quando me marcou o fato das frutas possuírem um visual belíssimo, perfeito, mas com total ausência de aroma e cujo gosto era decepcionante.

Um cheiro possui a capacidade mágica de nos transportar em uma máquina do tempo até uma lembrança de infância, um lugar distante, um amor perdido...

Há algumas situações em que podemos explorar mais o olfato, uma delas é a gravidez. Certamente os enjôos que a gente sente têm relação direta com a potencialização desse sentido. Lembro-me que eu me assustava com o “poder” de conseguir adivinhar quem havia entrado no ônibus da empresa que nos levava ao trabalho, apenas sentindo o cheiro das pessoas.

Uma vez li sobre uma pesquisa em que vários representantes do sexo masculino, de diferentes biotipos, eram postos a suarem suas camisetas em uma longa sessão de bicicleta ergométrica. Então estas camisas “perfumadas” eram colocadas à avaliação de um grupo de mulheres que deveriam escolher, apenas pelo cheiro, qual seria o melhor parceiro. A pesquisa relatava que a grande parte havia escolhido a camisa do Macho Y (o mais alto e mais forte do grupo). Avaliei a pesquisa como cômica, além de questionar o reducionismo com que se concluía que o Macho Y levava vantagem sobre os demais (?!?!).

Mas, questionamentos à parte, temos sim, os feromônios, substâncias que silenciosamente influem e até decidem sobre nossas escolhas sexuais e de afetividade. Eles estão presentes no bebê recém-nascido e na mãe, que graças a eles despertam afinidade imediata um pelo outro. Eles estão no gesto da mulher arrumar os cabelos em frente ao pretendente, expondo as axilas e com isto liberando milhares de moléculas de feromônios em direção ao desavisado rapaz.

Podem alguns argumentar que os cheiros “humanos” não são tão atraentes como outrora. Mas eu venho veementemente discordar! Apesar de a gente tentar mascarar todos os dias os nossos cheiros mais primitivos usando perfumes, sabonetes, desodorantes, etc., vale lembrar que um perfume, para ter sucesso, não pode conter na formulação apenas cheirinhos de flores, frutinhas, madeiras. Perfumes assim formulados tornaram-se verdadeiros fracassos de público. Para ser realmente bom o perfume deve conter um componente de cheiro, digamos “fétido”, com o qual nos identificamos e ao qual milhares de anos evolutivos não foram capazes de apagar. Entram aí o papel dos almíscares, substâncias de odor acre e pungente que têm, além do primordial papel de fixadores, a função de acrescentar (obviamente em quantidades ínfimas) os componentes mal cheirosos à fórmula dos perfumes. Até muito pouco tempo eram utilizados para este fim glândulas de animais como cervos e de algumas espécies de gatos. Com o risco iminente de extinção, começou-se a desenvolver sinteticamente estas substâncias. Os almíscares fazem este elo entre as preferências dos nossos ancestrais e as consumidoras de Chanel, Giorgio Armani, Bulgari...

Hoje a indústria utiliza sabiamente os conceitos de aromaterapia para vender mais e mais produtos. De calcinhas a bonecas, de desinfetante a medicamentos, tudo tem que vir com cheiro, e se possível com a indicação terapêutica: calmante, energizante, afrodisíaco.

Se quisermos dar uma intensidade maior às nossas experiências, um bom caminho é começar a prestar atenção aos cheiros que nos cercam. E ir formando um arquivo olfativo no cérebro. Ah, e por falar nisso, ganhou um ponto quem identificou que o produto que produziu todos aqueles comentários olfativos do início do post foi um vinho! Uma bebida perfeita para quem, como eu, ama os aromas.

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Tudo isto porque eu queria saber se já saiu em DVD o filme: O Perfume A história de um assassino, baseado no livro de Patrick Suskind.
O livro me fascinou tanto que, mesmo depois de vinte anos ainda me lembro da história e do nome do personagem principal, Grenouille.
Não pude ver o filme, mais minha curiosidade é grande, já que a fama de história "infilmável" fez com que só recentemente fosse pras telonas. O livro foi tão bem escrito que dá pra gente quase sentir os cheiros da Paris do séc. XVIII.

08 março 2007

Mulher Orquídea


Isaura e eu trabalhamos na mesma empresa, mas em departamentos diferentes, por isto não a vejo sempre. Quando passo por ela nos corredores está sempre com um sorriso pra distribuir. Resolvi apelidá-la de Orquídea do Cerrado, por causa da sua história. Isaura é pequena, delicada e forte ao mesmo tempo. Assim como a orquídea do cerrado, ela capta os poucos recursos de que dispõe e, milagrosamente os transforma em belas florezinhas. Quem vê seu sorriso franco não pode vislumbrar a guerreira que, todos os dias vence a batalha de prover a casa, criar dois filhos dando-lhes amor e educação, tentar entender as dificuldades pelas quais passa o marido que há anos não tem um emprego fixo, lidar com o problema de saúde da filha com otimismo. Às vezes nota-se o olhar preocupado, mas, entra dia e sai dia, seu sorriso está sempre ali. Sabe que a vida poderia ser melhor, mas pega o que lhe foi dado e faz disso o seu MELHOR. Sem reclamar, sem se sentir injustiçada pela vida.
Nesse cerrado imenso que é Goiás, há muitas orquídeas que crescem na bifurcação dos galhos retorcidos e secos das suas árvores. Poucas pessoas sabem disto. Menos ainda são capazes de notar sua presença. Mas para quem conhece estas flores é impossível não parar para admirá-las.
Indiferente a isto elas vicejam, pequenas, coloridas, delicadas, fazendo do sol escaldante e da água que se armazena nas rachaduras do caule, seu alimento.

Este post integra a blogagem coletiva para o Dia Internacional da Mulher, promovido pela Denise.


A foto é de um legítimo exemplar de orquídea do cerrado goiano (não sei o nome científico), este fica no jardim da minha casa.

04 março 2007

Pensamento da Semana


Em meio a tantos novos gurus da auto-ajuda que brotam a cada segundo nas livrarias, eu prefiro uma e mil vezes ler Marco Aurélio. O seu livro “Meditações” não foi escrito para tornar-se público. Estes pensamentos foram encontrados sob o título “A mim mesmo”, denotando seu caráter íntimo. Não dá pra sintetizar em um parágrafo a grande sabedoria contida em suas palavras, que eram, antes de tudo, as palavras de um estóico, e por isto mesmo ele prezava, a despeito de toda a riqueza e poder que possuía, valores como a inteligência, a verdade e a justiça.
Pra quem já vislumbra a chegada da segunda-feira, e de mais uma semana que começa, deixo um pensamento dele:
“Dize para si mesmo, ao amanhecer: _ Sei que vou encontrar um indiscreto, um ingrato, um grosseiro, um velhaco, um invejoso, um intolerante. Porém eu, aprendi que o bem verdadeiro é o que é honesto e o mal verdadeiro está no vergonhoso; eu que conheço a natureza de quem comete a falta, que sei que é meu irmão não pelo sangue ou pelo nascimento, mas pela inteligência e pela origem divina, não posso considerar-me ofendido por eles, já que nada do que faço poderia envergonhar-me. Com efeito, ninguém poderia despojar minha alma da honradez; é impossível que chegue a aborrecer-me com um irmão e que possa odiá-lo. Ambos fomos feitos para trabalharmos de comum acordo, com os pés, as mãos, as pálpebras, as duas fileiras de dentes superior e inferior. Atuaríamos, pois, contra a natureza sendo inimigos, manifestando desgosto e aversão para com estes desditados.”