Homenagem aos ex-alunos, no palco da Boite Casablanca.


Toda vez que vou à Ouro Preto dou uma passadinha no Café Gerais.


D. Bibi era uma septuagenária cujo endereço, na Rua São José, da histórica Ouro Preto, ficava do lado direito da República Boite Casablanca, onde moravam rapazes estudantes da UFOP, que representavam, acima de tudo, o espírito da juventude “sexo, drogas e rock’in roll”. Esta vizinhança heterogênea deu origem a muitos boatos e histórias, por parte dos moradores dos dois casarões. Conto aqui a versão dos Casablanquenhos boêmios que lá estudaram no início dos anos 90. Alguns anos antes, quando chegou à República o estudante de engenharia Messias (logo rebatizado de Babá, um ritual obrigatório pra quem almeja uma vaga na casa), foi informado de que ali do lado, naquele casarão centenário de três andares e aproximadamente 30 cômodos, moravam duas velhas bruxas, e era bom não se meter muito com elas, o que poderia resultar em encrenca certa. Um dia um episódio o fez pular o muro e enfrentar toda a sorte de feitiços e encantamentos malignos que pairavam sobre o casarão misterioso. É que sua placa de “Bicho” (que consiste em uma placa de mais ou menos 1m x 1m que todo aspirante à vaga em república tem que levar preso ao pescoço, caso contrário é impedido até de entrar no restaurante universitário), foi lançada, por um veterano perverso, no quintal das vizinhas. Não tinha jeito, era pegar ou morrer de fome, alem de ser rejeitado como morador da república.
Precipitou-se então pelo muro, tentando localizar, o mais rapidamente possível, seu passaporte de sobrevivência. Logo o localizou, pulando o muro e correndo, torcendo para que a empreitada tivesse um fim rápido e sem surpresas. Quando se levantou, com a placa na mão, girando-se rapidamente para retornar, em segurança, ao outro lado do muro, seu corpo foi de encontro àquela figura e, de susto, desequilibrou-se e caiu no chão. Em pé, em sua frente, quase tão imóvel quanto a estátua de Tiradentes da praça de nome idem, D. Bibi tinha o olhar curioso e jovial de qualquer vovó de contos da carochinha.
Nascia ali uma amizade rica e duradoura. E principalmente de ajuda e aprendizagem. Os rapazes Casablanquenhos passaram a ter um telefone, a disposição, ao qual os parentes podiam ligar, para saberem notícias. Uma campainha cujo interruptor foi instalado junto ao telefone do casarão, avisava, através de código Morse, qual estudante era solicitado ao telefone. Desta forma, D. Bibi ficou conhecendo o Feio, o Colméia, o Almenas, o Barango, o Ligeirinho, o Nádegas e o Ninguém, assim como todos os moradores que vieram a habitar a Casablanca. Num dia em que ladrões ameaçaram a segurança das senhoras, os rapazes se revezaram durante alguns dias dormindo na casa das vizinhas, até que elas se sentissem seguras novamente. Muitas vezes o Ligeirinho foi até lá ajudá-la quando alguma gripe forte ou infecção à levava pra cama. Quando Babá se formou, o cenário casablanquenho não se parecia em nada com o de qualquer festa já vista ali, geralmente com torres de engradados de cerveja, churrasco e música alta. Em meio a tudo isto um quê de festa de casamento, dado pelas 15 bandejas de bombons, presente da D. Bibi.
Todo 12 de outubro a República Boite Casablanca, assim como todas as outras repúblicas Ouropretanas, faz 3 dias de festas e homenageia seus ex-alunos com presentes e discursos, em uma tradição que os faz sempre reencontrar esta parte de sua história. Neste ano, no meio de aproximadamente 70 quadrinhos de formandos que adornam as paredes da Boite, e de agora em diante, uma única mulher ganhou o título de Casablanquenha. Com seu sorriso belo que faz qualquer marmanjo querer voltar à infância pra ganhar um doce ou um colo, a República passou a receber, todos os dias, a bênção de D. Bibi.